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Conheço-a há muito tempo mas só lá apareço duas ou três vezes por ano.
Devo ser a sua pior cliente.
"Ao sábado trago-a comigo para aqui, sempre areja um bocadinho…(senta-te nesta, que já está desinfetada)… durante a semana deixo-a no centro, mas já se sabe, com isto tudo a acontecer, anda uma pessoa com o coração apertado…"
Está sentada ao fundo, por trás de nós. O espelho inverte a posição e coloca-a à nossa frente. É só um reflexo mas está à nossa frente.
"...faço o que posso por ela, mas não chega, eu sei... nestas coisas sou sozinha, tenho a minha irmã, mas não se pode contar com ela... agora é que eu a percebo... (estavas mesmo a precisar de cá vir)... quando dizia que não os queria porque não se sentia capaz para assumir essa responsabilidade e mais isto e mais aquilo… (então, como vai ser?)… não quis filhos que a prendessem e agora também não se quer prender por ser filha, é o que é…"
Vai espalhando tesouradas rápidas na nuvem que faz chover cabelo à minha volta. Sabe o que faz e sabe preencher silêncio.
"...agora é que eu percebo, sabes… quer a sua liberdade, mas com a responsabilidade não quer nada...(mais um bocadinho nas pontas, não?)... do meu irmão já nem falo...vive cheio de compromissos, não tem tempo...um telefonema nos anos, outro no Natal…mas queres saber a melhor? diz que é homem, que estas coisas são com as filhas, que se for preciso ajuda com as despesas…"
Lá ao fundo parece-me ver um encolher de ombros resignado, mas deve ser só impressão minha, porque tirei os óculos para facilitar o trabalho. Eu, sem eles, vejo o que quero.
"...acredita, que isto me custa e nem é por mim que me queixo, é por ela que ali está... criou-nos a todos, aturou-nos as manias, passou sacrifícios para nos ajudar a começar a vida… e ainda tomou conta do meu pai até ao fim...(vamos secar?)... e olha que ele não era fácil…muito trabalhador, muito sério e amigo do seu amigo, mas isso de era da porta para fora porque em casa… se tu sobesses…"
O secador é um aparelho barulhento que abafa conversas e me transtorna as ideias. Não gosto de secadores.
"... e agora que já não pode, quando lhe falta a saúde...bem, isto agora, com médicos e comprimidos sempre se vai tratando do corpo, para a cabeça é que é mais complicado…"
Ouve, quieta e calada, como se não fosse ela a pessoa de quem se fala.
"...e cá dentro dói sempre… (até pareces outra, quando chegares a casa nem te vão reconhecer)...cá dentro dói até ao fim..."
Ingenuamente olho o espelho, à espera de não me reconhecer.
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