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Ao sair de casa, pediam para que voltasse igual. Prometia voltar igual e regressava igual, mas por essa altura já as ervas começavam a crescer por entre as pedras da calçada.
Só as mesmas ruas e estradas, mas mais lisas e direitas, sem lombas, sem curvas ou esquinas a cruzar outros caminhos. Tudo igual. A cabeça estranha, a cabeça queixa-se. O corpo vai sobrepondo camadas de aceleração. Sacos de areia forrados de ações urgentes, a proteger trincheiras no entendimento, por ser muito lenta a cabeça a reconstruir o fundamento. Alcatrão, o mesmo na auto estrada sem sentido, a mesma direção. A cabeça estranha, a cabeça queixa-se, cala-se a cabeça de palavras e ela foge para a linguagem primordial... E então, desligar o motor, atirar-se ao asfalto e feroz gritar como um animal?
Princípio e fim, o mesmo, em meio e caminho igual.
[...]
Foi nesse dia que fiz das minhas mãos, nascer a Primavera. Vesti-lhe gemas e açúcar e pintei-lhe os lábios de vermelho. Reparo agora que lhe calhou em sorte o rosto da Rita Magarefa enquanto jovem. Nunca a conheci nova, a não ser pela tintura do cabelo e pelo corte rente das unhas. Dizem que era alegre e desembaraçada. Boa a desmanchar e desossar, mas que não nasceu para abater. Tão pouco, para isso, a Primavera nasceu.
Do mundo vazio, voltava igual. Se perguntavam, respondia. Contava como o vazio de passos a pisar as pedras, era igual ao mundo alcançado de varandas e janelas.
Sobre as ervas que crescem, nada dizia.
Quando voltaram a ficar sozinhos,
não encontraram.
Tiveram de procurar
Espreitaram o interior das gavetas,
e as pregas do sofá,
entre as folhas dos livros lidos,
nos ficheiros sem pasta e no jornal amassado,
que enche a pasta por usar
Exploraram dentro de tachos e panelas,
no fundo dos copos de pé alto e das chávenas de café
em cima da cama, debaixo da cama,
remexeram, tentaram revolver
o miolo de sumaúma das almofadas
Sacudindo os cobertores e os lençóis,
o mecanismo quebrado do despertador
e as molas pasmadas do colchão.
Revistaram os bolsos dos casacos
a bainha da mini saia
e dentro da mala guardada,
na prateleira de cima do guarda fatos,
nas caixas dos sapatos por estrear,
Não encontraram,
nem querem crer que se perdeu
em algum lado,
(que já não sabem)
estará guardado
Quando voltaram a ficar sozinhos,
não encontraram
Talvez na rua
ou num jardim onde seja primavera,
para de novo se encontrarem,
terão de namorar.
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