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Miolinho pão de leite, luz dos meus olhos,
Artificial, é a rosa de plástico, flor a fingir, e nem o fingimento ou o plástico a impedem de ser rosa melhor à vaidade dos olhos do criador. Ser pai e senhor do artifício, não retira ao fogo o ardor. Sossega o artífice, até que lavre o incêndio na mata do sentir. Se depois, incapaz de se conter, a chama lhe devorar a suprema rosa do sentimento, vai dizer amor artificial?
Bolachinhas, leite morno, meu tesouro, não vás por mim, que nada sei e só me engano.
Vamos dormir, até amanhã!
Opinativos opinantes,
fazedores de opinião pública?
Engolidores de público seguidor de opinião?
Quanto mais ecoam, mais cresce a espiral...
Mas que raio, é um opinador?!
... e o silêncio avança!
Estou a olhar para os dedos dos pés. São dedos de menina. Pequenos e redondinhos, brancos, suavemente rosados ao redor das unhas, como gotas de água pura, em pálidos tons de rosa. Pousados ao fundo da cama, descansam de tanto correr pelo tecto. É um tecto sem idade. Grande e rectangular, branco, ligeiramente cinzento junto aos cantos, como espelho de água parada, em deslavados tons de cinza.
Estou a olhar para os dedos dos pés com os olhos de mulher que correu mundo no tecto do quarto, enquanto menina. Pergunto-lhes, quanto os marcou o isolamento, quanto lhes doeu a caminhada da cura?
Destes dedos dos pés de menina, eu mulher e o branco tecto, sabemos agora o que então sabíamos:
Querem tocar o chão das outras crianças e correr no mundo delas.
O tempo em que se forma o entendimento é o princípio da escolha das coisas que se querem entender...
Sem altura para mais, nivelava o olhar pelo mármore branco. Pupilas dilatadas e olhos salientes, cruzam-se no mesmo plano castigado pelo sal e pela lixívia, onde desemboca a madrugada que se despeja dos cabazes e caixas de madeira. Neste mar sem água, boia ainda um suave ondular de vida que se vai apagar no contraste da azáfama.
Do outro lado, mãos a amanhar o vermelho sangue na guelra, que narizes atentos escolhem e desdenham para melhor regatear ou peso ou o preço, escamam e cortam, escalam a carne firme e tornam a apregoar.
Translúcidos reflexos fazem eco, e por todo lado se ouvem vozes no tom metálico que tem o sabor da maresia. É tomar sentido nas coisas e descobrir, e pelos sentidos o que elas são.
Dez réis de gente é o bastante para compreender a fronteira. O sacudir das escamas, o subtil entreabrir das conchas, o deslizar de tentáculos viscosos, ou o estremeço ligeiro de finas patas e fortes pinças, não são mais que despedida, gelo a derreter.
Depois, a contrariar a quietude do fim, as enguias têm que se perceber de outra maneira – ou então nunca.
Mais tarde se poderá revelar o mistério desfeito da geração espontânea, o enigma da metamorfose ou a épica viagem entre águas salobras e salgadas. É para isso que servem manuais e compêndios, mas quando se aprende o escorregadio serpentear um ser estripado, que se contorce para além da vida…
O entendimento é uma escolha?
Passo e leio no passeio
paro e penso heróis
não sou nem sei
se fugir é verdadeiro
é o pecado ficar?
O dia já é meio,
a outra metade caminho
Ligados pela metade,
desunidos os passos no andar,
Juntos o vagar do dia
e a pressa da razão,
não lhes importa a estrada,
querem saber onde estão
O que sabem é metade,
meia certeza do saber
Adiante o mar poente,
reverso passado do nascer
A direito lhes sopra a estrela,
do outro lado coração
não lhes importa o que os move,
querem saber onde estão
E o que dizem os sinais?
8730
Querem saber onde estão…
Quanto tempo em cima do muro?
Tanto viver equilibrado, inseguro
onde o deixaram ficar,
ficou
quieto, esquecido ou garantido
Vira o vento,
virou, caiu, tombou
Ainda lá podia estar…
Se houvessem
deuses que sorrissem,
ou criada a quem culpar
Por mor de se aquebrantar
o basaréu de bidro,
quem iremos acusar?
Forte Muro, falta-te força, sobra-te a sombra
É a mim que queres ouvir?
Guardaste com fogo a fraca fronteira
da casa caída
Agora,
receias ruir...
Foste frente caiada, cal viva
na parede suja e esquecida
Agora,
atormenta-te o porvir...
Foste barreira, muralha erguida
no erro de temer errar
Não temas agora perguntar
O que pode a paliçada
que não se pode transpor?
Pode o tempo, pode a vida?
Pode abrigar o amor?
Fraco Muro, se me ouves,
não esperes ouvir por mim,
as respostas que procuro, mas não tenho
Sou só perguntas sem fim!
Não sei porque motivo me lembrei desta palavra, mas não a consigo declarar inocente de sentido duvidoso.
Por um lado, esconde-se na neutralidade, e tanto promete recompensa como ameaça castigo, mas há nela qualquer coisa que me faz lembrar o calculismo de um jogo.
Por que se isto é um jogo, já ouvi dizer que todos podemos ganhar se ninguém quiser ganhar.
Pode a soma ser diferente?
Sei de um pequeno senhor, mal servido de razão mas muito bem aviado de razões, que sossega os seus desarranjos de maneira peculiar.
Não há argumento que o demova nem regra ou lei que o possam tolher, quando se propõe trepar às costas do primeiro incauto que achar a jeito, para fazer dele o pedestal da sua grandeza. Com artes e manhas, nem os precavidos lhe escapam.
Esmera-se em acirrar para depois se escorar na luta que lhe derem. Redobra ganas se for confrontado com a sua pequenez. Não há ocasião que lhe seja desfavorável ou lugar impróprio, mas aprecia particularmente, reunir assembleia que lhe reconheça o feito e lhe aplauda a conquista. O mais das vezes, deixa o público atordoado. Do alto do desinfeliz que lhe serve de palanque, acredita avistar respeito e admiração.
Como no estômago me roem certos ácidos, que fazem soltar lume pelas ventas, evito quanto posso que me apanhe na plateia das suas perversas escaladas. Seria a lenha perfeita para a sua fornalha.
A dar crédito ao que me contam, falhei presença na arena da sua mais decadente atuação. Do caso em concreto só posso assegurar os efeitos mas, pelo historial conhecido, não é difícil dar o relato como válido.
Desta feita, sem anunciar quê nem porquê, o pequeno senhor resolveu elevar a sua rasteira estatura usando o lombo firme de um homem a quem comprava o trabalho. Julgando-o seguro pela sua condição, aplicou-se a limpar o osso para depois lhe galgar o espinhaço, vértebra a vértebra. Não vendo jeito de o conseguir vergar, empoleirou-se nos seus ombros e, a golpes de picareta, encarniçou o engenho para lhe chegar ao tutano.
Foi tanta e tão cega a sanha, que conseguiu destorcer o cabo que sustinha a sua vítima. Deixou-lhe o tino despernado e alma de aço à vista.
Não restou ao homem entendimento para dar às mãos outra serventia senão a de tenazes. Fechou-as na goela da criatura que tanto se tinha esforçado por subir. Os pés erguidos do chão, até que os seus olhares se nivelassem. Depois, foi como sacudir um boneco de palha prestes a arder em sábado de Aleluia.
Contam que se lhe puseram a mão a tempo de evitar a tragédia, foi só por vontade de salvar um homem inteiro da desgraça inteira. Todos têm as costas marcadas por cicatrizes que pedem desforra...mas ainda assim conseguiram discernir o limite.
Ferve-me a cabeça com perguntas.
Acima de tudo, questiono a minha própria razão.
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