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Poderia desculpar-me com a paisagem ou com a pureza dos ares. Uma pessoa desterrada do betão e dos escapes, pode muito bem justificar um transtorno temporário evocando excesso de natureza. No entanto só lhe fica mal usar tais argumentos. De bom tom é proclamar convictamente "adoro o campo, as árvores e as flores". Por ser verdade, subscrevo e afirmo, mas nada consigo retirar à triste figura que resultou de ter aceitado o que há muito sabia não gostar. Estou farta e cansada o de saber, e ainda assim fui na cantiga de receber o presente envenenado nas minhas mãos, para depois de lhe ter rasgado a pele com a unha e soltar a polpa suculenta, levar aos lábios aquela geléia doce e macia, que viria a ser fatal (Ai, que não gosto! Cala-te e come!) Gostar gostei, isso sim, de me ter deixado ficar, feita donzela posta em sossego, a contemplar o cavalheiro esforçado saltar o muro, arriscando enfrentar o cão e o dono, para subir à árvore e escolher, de entre todos, o fruto mais maduro. Se para meu regalo se aplicou a colher as primícias do outono, só as posso aceitar e bem agradecer (Não sejas parva, engole isso de uma vez!) Contudo os gostos rebeldes podem-se encobrir com modos polidos, mas a natureza do corpo não se deixa domesticar. Ainda o néctar meloso escorregava pela garganta, e já a náusea traiçoeira o aguardava no estômago. Valeu-me uma moita mais frondosa, onde fui investigar aves raras e disfarçar a humilhação. Que me sirva de emenda!
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