Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Ao sair de casa, pediam para que voltasse igual. Prometia voltar igual e regressava igual, mas por essa altura já as ervas começavam a crescer por entre as pedras da calçada.
Só as mesmas ruas e estradas, mas mais lisas e direitas, sem lombas, sem curvas ou esquinas a cruzar outros caminhos. Tudo igual. A cabeça estranha, a cabeça queixa-se. O corpo vai sobrepondo camadas de aceleração. Sacos de areia forrados de ações urgentes, a proteger trincheiras no entendimento, por ser muito lenta a cabeça a reconstruir o fundamento. Alcatrão, o mesmo na auto estrada sem sentido, a mesma direção. A cabeça estranha, a cabeça queixa-se, cala-se a cabeça de palavras e ela foge para a linguagem primordial... E então, desligar o motor, atirar-se ao asfalto e feroz gritar como um animal?
Princípio e fim, o mesmo, em meio e caminho igual.
[...]
Foi nesse dia que fiz das minhas mãos, nascer a Primavera. Vesti-lhe gemas e açúcar e pintei-lhe os lábios de vermelho. Reparo agora que lhe calhou em sorte o rosto da Rita Magarefa enquanto jovem. Nunca a conheci nova, a não ser pela tintura do cabelo e pelo corte rente das unhas. Dizem que era alegre e desembaraçada. Boa a desmanchar e desossar, mas que não nasceu para abater. Tão pouco, para isso, a Primavera nasceu.
Do mundo vazio, voltava igual. Se perguntavam, respondia. Contava como o vazio de passos a pisar as pedras, era igual ao mundo alcançado de varandas e janelas.
Sobre as ervas que crescem, nada dizia.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.