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Foi em tal dia, estava eu em tal sítio, desde então, mudei de vida.
Este homem não quer mudar. Não sobe a bordo, recusa fazer parte da tripulação. Quatro pisos acima do porão que o abriga, há um tecto que não é seu, assim como não lhe pertence a janela com grade e vista rente à calçada que o obriga a ter o queixo erguido, pela força de se manter à tona. Para acertar o passo pela linha de água, tem um lanço de escada, entre a cave e o rez-do-chão. Madruga mal dormido, este homem. Poucos são os passos que passam, ainda é cedo, espreita a vigia. Sobe pelo esconso túnel, degrau a degrau para se deixar cair onde antes esteve pintado o eixo da via. Está deitado sobre o coração, o braço como almofada, o copo vazio de cerveja na outra mão. Não foi o acaso que ditou o meio da rua, ele conhece o seu lugar. Para poder existir não pode incomodar quando, mais tarde, começarem a montar as esplanadas, nem atrapalhar a azáfama dos transeuntes. No entanto, é quase impossível passar adiante sem ver que ocupa espaço. Se um turista, recuando para alargar o enquadramento da foto, tropeçar nele, será esse o maior mal. É conveniente que deixe o acesso a lojas e escritórios desimpedido. Contanto que não se encoste à margem, será tolerado, porque esta rua é um rio e ele é um marginal. Este homem não quer mudar.
História sem sentido, sem título nem moral, só a percebe quem souber ver.
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