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Em princípio, a escolha do local parece ser perfeita, por permitir que fique tudo em casa, evitando que se vão armar escândalos em sítios que não nos são familiares. A falta de conforto do hall de entrada, soluciona-se com uns quantos banquinhos de campanha. Os mais prevenidos trazem-os em excesso, a contar com os atletas que mais cedo ou mais tarde se vão abaixo das pernas. Computador e impressora, papéis e papeladas, estão a cargo do administrador e do secretário. De forma expedita montam a banca num abrir e fechar de olhos.
Pelas sete da tarde estão resolvidas as questões logísticas, e a ideia do acerto na escolha do local é reforçada por haver o indispensável quórum. Eventuais Pilatos, ou ficam recolhidos em casa a lavar as mãos, ou trancados na rua, impedidos de as lavar. Pelo hall, não passa ninguém, sem tomar parte na solução desta bronca.
Presentes à assembleia estão os que por força das circunstâncias não podem falhar, mais o empreiteiro e o técnico dos elevadores, chamados para prestar esclarecimentos adicionais, e para compor o ramalhete, uma advogada.
Se ocorrem noutras paragens, reuniões mais civilizadas, não é do conhecimento de quem escreve. Esta em particular e dadas as circunstâncias, tem à partida tudo para exceder qualquer boa peixeirada. A saber: dívida de pai incógnito, que ao chegar à maioridade dos milhares graúdos, exige a todos o reconhecimento da paternidade.
Tudo começa dentro de uma certa cordialidade, que sem demora se revela insuficiente para manter a paz podre. Às oito, a caldeira começa a ferver. Insinuações, atropelos, intervenções a despropósito, dedos na ferida, justificações esfarrapadas, insultos velados e explícitos, tudo a centrifugar a alta rotação.
Reuniões de condomínio são com certeza, matéria para estudo aprofundado do comportamento humano. Fica para quem o souber fazer.
Resumindo o que é longo e não entrando em detalhes escabrosos, já tem a reunião umas duas horas bem contadas, quando o do 3º Esq se começa a picar com o dos elevadores. A propósito não se sabe bem de quê, subiu-lhe a raiva à cabeça a ponto de lhe ficarem os olhos raiados de sangue e as veias a latejar nas têmporas. Gesticula, esbraveja, rodopia sobre os calcanhares como uma bicha de rabear e sai desencabrestado, escada a cima – EU NÃO LHE ADMITO! Ouviu!? EU NÃO LHE ADMITO!
Por esta altura, a locomotiva em que segue a assembleia, tem um tal andamento, que fanicos e chiliques individuais, não conseguem deter. Se quer sair, pois que saia, e siga o circo.
Uma hora depois, já o técnico dos elevadores foi dispensado de prestar esclarecimentos, quando retorna o do 3º Esq, em perfeita tranquilidade de espírito e compostura de modos. Trocam-se olhares inquisitivos, espantados pelo milagre da recuperação do homem que ainda há pouco estava à beira de uma trombose. Antes assim.
À quinta hora, a coisa começa a perder o gás. O cansaço faz-se notar, muito embora vá surgindo um ou outro reacendimento, mas já sem o ímpeto inicial. Curiosamente, o do 3⁰ Esq, torna-se um dos participantes mais comedido nas palavras e moderado nos repentes. Fez-lhe bem desabafar, ficou mais aliviado, talvez.
Por volta da uma da manhã a saturação obriga ao entendimento, que na prática equivale a entendimento nenhum.
Bem vistas as coisas, o hall de entrada não é a escolha mais correta. Melhor será tornar a reunir, no conforto da sala de audiências de um tribunal.
Enquanto se aguarda que o secretário ultime a ata, saem à rua os condóminos ["condónimos", não consigo resistir, desculpem] absolutamente exaustos. Para aliviar a tensão, esfumam-se ressentimentos e amuos, ao sabor de um cigarrinho. Trocam-se desabafos e queixumes: Seis horas extenuantes, após um dia de trabalho, tantos nervos, tanta emoção e tudo isto sem sequer se ter jantado…
– Sem ter jantado!? – diz o do 3ºEsq. – Mas o que é que vocês pensam que eu fui fazer lá em cima?
Seis horas de reunião, seis horas!
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