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Notas 162

por esquisita, em 15.02.24

 

É indelicado importunar as pessoas com certos assuntos. 

Não me apetece escrever, irei até onde for capaz.

 

Primeiro foi a do Moisés. Tinha ele não mais de sete ou oito anos, quando a mãe saiu de casa para ir pagar uma promessa. Eu, naquela idade, conservava ainda a inocência necessária e suficiente para acreditar que as pessoas com propósitos piedosos, como era o caso de quem ia até Fátima a pé, ficavam a salvo de acidentes, guardadas por especial proteção superior. Estava errada.

Nunca tinha sido amiga do Moisés, antes conhecido e apontado como provocador de brigas e desacatos. Tinha medo dele. Ainda assim, quis que me levassem pela mão até a porta da capela para dar um abraço ao rapaz que estava lá dentro a despedir-se da mãe. Julguei sentir em mim o mesmo desamparo.

Não me tornei amiga do Moisés, depois merecedor de condescendência geral para qualquer falha, a coberto da perda. O meu medo transformou-se.

Diferente e sem nome, esse sentimento novo começou a maquinar na cabeça uma estratégia ainda mais ingénua: Se conseguisse partilhar da dor dos outros, poderia ser poupada ao meu próprio sofrimento. Continuei errada.

As circunstâncias acabaram por abrandar os modos brutos do Moisés. Com o tempo, depois da revolta inicial, deixou-se de rixas e lutas, para se tornar num adulto prematuro. Eu só tinha crescido um pouco e continuei criança aos olhos daquele miúdo a quem todos passaram a  considerar como um homenzinho.

Do medo nunca nasceu amizade.

 

Só mais umas linhas

 

A seguir foi a da Ana Maria. Eu mal conhecia a mãe dela, porque raramente saía à rua. Diziam que sofria da cabeça, diziam que tinha de dormir com a porta trancada, diziam que se devia ter guardado a chave. Diziam, diziam, diziam, e eu não entendia nada do que diziam entre gritos e choro, quando de manhã encontraram o corpo no canal, enterrado no lodo da maré vaza. Continuei por muito tempo sem perceber, não sei mesmo se alguma vez o irei conseguir.

Por mais que perguntasse, ninguém estava disposto a contar-me as coisas como elas são. Ia escutando meias palavras destinadas a poupar as crianças, tirava as conclusões possíveis: Sofrer da cabeça, não era ter enxaquecas como a D. Elvira, que se fechava às escuras, em silêncio durante três dias seguidos e depois ficava bem e cheia de fome por quase não ter comido durante tanto tempo. Não era a mesma coisa, exceto no escuro e no silêncio.

 

Estou a sentir-me enjoada, mas vá lá…

 

Depois, foi a da Rosarinho. Ao que a matou, ninguém gostava de chamar pelo nome. Tinha uma coisinha má, não na mama, mas no peito. A mãe da Rosarinho, bem se podia ter salvo, pensava eu.  

O marido era médico, conhecia muitos outros médicos no país e no estrangeiro, mas ela tinha pouco tempo e não quis…

 

P’ro c@ralhø, quem inventou que escrita ajuda!

Nem mais uma palavra!

ACABOU!





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12 comentários

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cheia a 15.02.2024

Hoje, pode não ter ajudado, foram tragédias a mais, para tão pequena idade. Poupar as crianças às tragédias, pode não ser o melhor. Dizem que o melhor é estarmos informados.
Desejo-lhe um resto de semana, longe das escritas, que não ajudam.
Resto de dia tranquilo. 
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esquisita a 16.02.2024

Sim, em qualquer idade, é sempre melhor estar informado 
Agradeço, desejo uma boa noite  e bom fim de semana 
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cumplicedotempo a 15.02.2024

Porque da mesma forma que por vezes a escrita nos liberta, ela também nos prende, e por isso com o tempo fugimos tanto de certos assuntos
Cabe nos perceber o quando o devemos usa la ou não e consoante a necessidade que tivermos
E eu como cúmplice tão bem o sei, e por isso evito até escrever sobra tanta coisa que eu poderia escrever, pois por certo bem não me iriam fazer
Abraço cúmplice Esquisita
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esquisita a 16.02.2024

Olá, Cúmplice! Tento não fugir aos assuntos, mas é evidente que deixo algumas coisa por dizer.
O problema é que como não domino a escrita, em vez de ordenar o pensamento, acabo por repisar sempre as mesmas ideias, sem avançar para aquilo que realmente tinha intenção de escrever.
Agradeço e desejo noite boa!
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ROMI a 15.02.2024

Às vezes escrever é reviver o que nos magoa.  Pode ser libertador, o chamado desabafar, mas há um tempo de luto. Dizem que nele não nos devemos demorar. 
Beijinho, minha Esquisita linda 
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esquisita a 16.02.2024

Olá Romi!
Ainda não cheguei ao ponto de conseguir desabafar pela escrita, nem sei se vou demorar. Agradeço a tua simpatia 
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imsilva a 16.02.2024

Escrever é uma catarse, e espero que no fim tenhas sentido algum alivio. A vida ao longo do nosso crescimento (e depois), traz-nos dúvidas, mistérios e sofrimentos que ficam pela vida fora. 
Beijinho 
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esquisita a 16.02.2024

Eram só pequenos apontamentos, que pretendia organizar para escrever um outro texto. Acabaram por crescer num sentido quase morbido, que me irritou bastante. Reconheço que pode parecer uma tentativa de catarse. 
Agradeço a simpatia
Desejo uma boa noite e um bom fim de semana
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Marco a 16.02.2024

Será que não ajudou? Uma mensagem pesada e triste. Um grande abraço. 
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esquisita a 16.02.2024

Tens razão Marco, certas memórias são pesadas e tristes. Não fujo, mas também não gosto de me deixar arrastar por elas. Agora está escrito, da próxima vou tentar outro caminho 
Agradeço e espero que tenhas um bom fim de semana 


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"Do medo nunca nasceu amizade."
Da amizade nasce a coragem, a que se revela na escrita deste teu texto, onde o medo dos sentimentos não está presente.
Nem está presente a indiferença, ou o desejo de não nos envolvermos, quando dói, quando custa, mas será talvez nessas circunstâncias que é mais necessário estarmos presentes, a tentar restabelecer o contacto e o diálogo. Acho que do outro lado se sente que se é visível, que se é importante para alguém, alguém que sentiu que foi escutado, que não se está sozinho.
Obrigada pela partilha, Esquisita.
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esquisita a 17.02.2024

Olá Mafalda! Se estas notas tivessem passado a um texto mais completo, provavelmente incluiriam a descoberta de um sentimento que anda muito mal cotado nos nossos dias – a compaixão. Talvez até tivesse de lhe chamar empatia, para me fazer entender 
Agradeço por teres lido e comentado
Bom fim de semana

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