Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Ir à cama tarde, já passada a hora, amanhã é dia como todos. Cada um na sua margem, sentados costas com costas, ela tomba para direita, lado onde espera não amarfanhar tanto o coração. Ele, confiado no saber da cova mole que se forma entre a crista da bacia e as escadinhas das costelas, deixa-se cair para trás. A cabeça descansada na cintura dela, como se ali prentecesse. O resto, um braço para cada lado, o tronco dividido em duas pernas a escorrer na beira do colchão, os pés a pingar a um palmo do tapete. Anda, cobre-te! Qualquer monstro ainda desperto, desses que à noite se abrigam do frio por debaixo das camas, o pode agarrar pelo tornozelo, levá-lo. E ela atrás para onde for, que também está agarrada pela cintura. Não está frio! Mas tão rápido se torna o respirar profundo em ronco áspero que não mexe, não ouve, Não está! nem o carro do lixo, lá fora, a emborcar aos solavancos contentores de tudo o que já não serve, e agora tanto se ouve porque, Está a janela aberta! Fala sozinha, olhos fechados para não ver o verde irrequieto da farmácia, sempre a dar horas, a dar calor ou frio conforme esteja, a dar cruzes que são verdes de tanto piscar. É só para si, mas em voz alta, pensa a falar, Hoje dormimos com a janela aberta. É da serra que nos vem frio, acima de nós, que vivemos com água pelos calcanhares, qualquer outeiro já é montanha. É de lá que vem o frio. Antes respondeu, Não está!, está respondido, mesmo sem ser ouvido, Não está!, não se vai desdizer.
Mas pela janela, tanto entra como sai.
Melhor o monstro que nos leve inteiros, seja lá para onde for. Pior o corpo frio, vazio, como morto ao acordar, que o frio da serra.
Vai fechar a janela, não nos vá fugir a alma no dormir!
Estás parva!
Não estou!
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.