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Está lá? É só para dizer que hoje não vou trabalhar! [...] Pois, não sei! Isto foi assim:
Eram pra aí umas dez e meia, onze menos um quarto, eu a essa hora até já costumo estar no choco, mas estava um calor dos diabos, daqueles que uma pessoa parece que vai abafar. Além disso era de sexta para sábado, e eu mais a patroa, deixamo-nos ficar no alpendre, ela a pintar as unhas dos pés e eu de volta da gaiola do canário que anda a mudar a pena, a meter-me com ela "Ó cachopa, se chover não podes pôr sandálias para ir à festa!" Não me deu troco, gosta de andar sempre jeitosa e eu gosto dela assim, também não a piquei mais. Passa o meu cunhado na rua, "Vem lá água!" Ainda trocamos umas larachas, eu a dizer que já tinham chegado os bombos, e ele a gabar o esmero da comissão, por largar os foguetes de véspera. Isto era a gente a falar, mas que a trovoada estava rija e seca, lá isso estava! Nisto já ele tinha seguido adiante, para ir ver se ainda estavam em termo umas bandeirolas do ano atrasado, com que enfeitar o barco na procissão, começa-se a ouvir um martelicar, cada vez mais forte, cada vez mais forte, assim como quando sopra vento sul e o comboio ainda está antes do sol posto, já a gente sabe que ele vem lá. Era um temporal do catano! Nem sei explicar, em que instante se pôs aqui, e à força toda! C'um estapumba! Chovia a potes! Num abrir e fechar de olhos começa-me a escorrer água pela caleira abaixo, assim como se fosse uma cascata, ou coisa que o valha. Até ficamos sem ação, a olhar para aquilo meios aparvalhados! Foi quando a minha sogra veio a porta, "Venham pra dentro, alminhas de Deus, que isto não está para brincadeiras! A minha Maria, que acata tudo o que ela diz, pegou nos vernizes e nas limas e vai de me empurrar para dentro de casa. Mas eu, meteu-se-me na ideia que aquela correnteza toda, havia de ser o esgoto da caneja entupido. Alguma bola de ténis que os netos do meu vizinho, que vieram passar as férias a Portugal, tivessem atirado para cima do telhado e agora estivesse a entupir o escoamento. Peguei e fui à volta buscar o escadote que estava encostada ao pé de uma churrasqueira de tijolo, que andámos a fazer, eu e o meu compadre, o verão passado. A minha mulher começou aos gritos, e veio cá fora a mãe, juntar-se a ela, "Ó homem, anda pra dentro, que ainda te desgraças!". Eu a trepar ao telhado, ensopado até aos ossos, e elas com aquela voz muito fininha que as mulheres põem quando se vêm aflitas, "Acudam, acudam, que se vai matar!" Aqueles guinchos a dar-me nos nervos, mais a chuva a dar-me forte e feio, que já nem podia abrir os olhos, e ainda consegui meter a mão à bola! Eu bem sabia, era uma bola, mas quais quê! Quem é que conseguia arrancá-la dali! Depois… Bem, isto foi só um mau jeito que dei às costas e mais uma ou outra costela. É para avisar que hoje não vou trabalhar, e amanhã também não, depois de amanhã também não, na outra semana logo se vê!
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