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Numa das paredes da cozinha da minha avó, entre sardinhas de louça e limões vidrados, estava pendurado um prato grande e fundo onde mora, em pinceladas ingénuas, de cores que não sei descrever, um homem de olhos pequeninos e sorriso tímido.
Ó avó, aquele é mesmo o João Pestana?
Pois claro que é!
Como é que sabes? Ele não fala!
Contou-me a minha avó, que foi quem o trouxe cá para casa! E olha que é verdade! Aquela bacia era para o escoado da ceia. Quando estava pronta, chegávamos os mochos ao lar para comer e…
Não comiam à mesa!?
Até podíamos comer no chão, que tínhamos sempre a cozinha bem asseada e bem juncada!
Ah!...E depois?
Depois íamos comendo até ver o fundo à bacia, quando o…
E comiam todos do mesmo prato!?
Claro, rapariga! Que mal há nisso? Mau era se não houvesse o que comer!
Ah!...e então?
Então, o João Pestana aparecia, todo envergonhado por o termos descoberto. Ficava a olhar para nós com aqueles olhos pequeninos e dava-nos logo o sono. Era a hora de ir à deita!
Entro pé ante pé na cozinha que se fez escura e não sinto o tapete de junco fresco nem o cheiro a erva doce que só conheci na rua em dia de Ressurreição. O lume apagado junto ao lar de mármore muito gasto pelo uso, os mochos alinhados junto à parede e em cima pendurado entre as sardinhas assadas e os limões, vive o homem de olhos pequeninos e sorriso tímido.
Tudo escuro, tudo silêncio, tudo calma.
Aí, João Pestana, João Pestana, que os adormeceste a todos!
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