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Quero férias,
mas não quero umas quaisquer,
dessas de ir para longe,
viajar, conhecer outros lugares.
Quero-as já ali do outro lado.
Em certas tardes, como a de hoje, as sacramentais três horas reservadas à digestão empurram-nos mata adentro.
De manhã foi-nos negado o mar por não se ver um palmo à frente dos olhos, e embora a maré esteja vazia, em mês sem érre nem aos cricos se pode ir. Deixamos-nos ficar na praia do junco, entretidos a despernar caranguejos, a atirar pedras às gaivotas, a conjecturar sobre a possibilidade de atravessar o canal a vau. A outra margem está desfocada pelo nevoeiro, o que não altera as hipóteses de sucesso. Por mais mirabolantes que sejam as teorias, só se pode concluir que acabaríamos atolados. Está visto que daqui não avançamos por nosso pé, e o que temos mais à mão é esta espécie de lama de cheiro inconfundível e aspecto repugnante, contudo, muito agradável ao toque por ser morna e macia. De uns salpicos descuidados, para desenfastiar de tanta conversa e tão pouca ação, num instante se passa a uma feroz batalha de lodo que nos deixa irreconhecíveis. São tempos esquecidos nisto e a javardice só acaba com um banho de mangueira no pátio, porque se avizinha a hora do almoço. Não há línguas de perguntador a querer saber o que é a comida.
Pouco mais que madrugada, nós ainda na cama, já se ouve da cozinha, Traz-me um robalo! Não há resposta à provocação. Daquela pescaria de água salobra não virá mais do que taínha mole. Seja que peixe for, o almoço por esta hora já estará a dar entrada na costa, e o barquinho cansado de tábuas gastas só se desamarra por pretexto. Antes de voltar a casa há-de primeiro passar na lota, para remediar o que não pescou. Todos sabemos que assim é, e no entanto à saída, ainda se grita da porta, Pesca-me um robalo, já escalado e salpicado! É só desafio por graça e sem maldade
Se nos tivéssemos levantado antes, tínhamos assistido ao verdadeiro resmungar enjoado, quando os cartuchos da serradela saíram do frigorífico onde ficaram desde ontem. Isso sim, é uma porcaria sem graça nenhuma. Mas ficamos na sorna até que as primeiras buzinadelas da padeira se vieram sobrepor à ronca. Dizem que é bom que o apetite matinal vença a indolência, por isso ir ao pão faz parte das tarefas que nos estão destinadas. Aos domingos saltamos da cama, ávidos das regueifas que a padeira traz embrulhadas em panos muito brancos. Hoje a chegada da carrinha, não atrai abelhas gulosas. No saco só vêm uma dúzia de padas e uma rosca de pão, para além um canto de broa, que mais logo estava destinada a aparar o pingo à sardinha, mas acaba esfarelada de tanto lhe nicarmos a côdea. Também não faz mal, porque hoje o barquinho trouxe caldeirada. Comemos com vontade, que é a maneira mais gostosa de comer.
É então, em tardes como esta, por altura da sesta, que depois de testar a capacidade da rede suportar todos e mais um, ao ouvir os pinheiros chiar derreados com tanto peso, nos lembramos da mata para ultrapassar as malfadadas três horas. Mas há cuidados a ter, quem se quer embrenhar pelo pinhal, não pode falar da intenção de encontrar a enorme duna que nos guarda do mar revolto, nem lembrar gatos bravos e cães selvagens, ou temer o homem a cavalo que nos vai recambiar a casa pelo caminho do aceiro. Vamos só ali, às pinhas para acender o fogareiro, e na volta trazemos uma mancheia de camarinhas para o lanche.
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