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Sei de um pequeno senhor, mal servido de razão mas muito bem aviado de razões, que sossega os seus desarranjos de maneira peculiar.
Não há argumento que o demova nem regra ou lei que o possam tolher, quando se propõe trepar às costas do primeiro incauto que achar a jeito, para fazer dele o pedestal da sua grandeza. Com artes e manhas, nem os precavidos lhe escapam.
Esmera-se em acirrar para depois se escorar na luta que lhe derem. Redobra ganas se for confrontado com a sua pequenez. Não há ocasião que lhe seja desfavorável ou lugar impróprio, mas aprecia particularmente, reunir assembleia que lhe reconheça o feito e lhe aplauda a conquista. O mais das vezes, deixa o público atordoado. Do alto do desinfeliz que lhe serve de palanque, acredita avistar respeito e admiração.
Como no estômago me roem certos ácidos, que fazem soltar lume pelas ventas, evito quanto posso que me apanhe na plateia das suas perversas escaladas. Seria a lenha perfeita para a sua fornalha.
A dar crédito ao que me contam, falhei presença na arena da sua mais decadente atuação. Do caso em concreto só posso assegurar os efeitos mas, pelo historial conhecido, não é difícil dar o relato como válido.
Desta feita, sem anunciar quê nem porquê, o pequeno senhor resolveu elevar a sua rasteira estatura usando o lombo firme de um homem a quem comprava o trabalho. Julgando-o seguro pela sua condição, aplicou-se a limpar o osso para depois lhe galgar o espinhaço, vértebra a vértebra. Não vendo jeito de o conseguir vergar, empoleirou-se nos seus ombros e, a golpes de picareta, encarniçou o engenho para lhe chegar ao tutano.
Foi tanta e tão cega a sanha, que conseguiu destorcer o cabo que sustinha a sua vítima. Deixou-lhe o tino despernado e alma de aço à vista.
Não restou ao homem entendimento para dar às mãos outra serventia senão a de tenazes. Fechou-as na goela da criatura que tanto se tinha esforçado por subir. Os pés erguidos do chão, até que os seus olhares se nivelassem. Depois, foi como sacudir um boneco de palha prestes a arder em sábado de Aleluia.
Contam que se lhe puseram a mão a tempo de evitar a tragédia, foi só por vontade de salvar um homem inteiro da desgraça inteira. Todos têm as costas marcadas por cicatrizes que pedem desforra...mas ainda assim conseguiram discernir o limite.
Ferve-me a cabeça com perguntas.
Acima de tudo, questiono a minha própria razão.
Diz-se que desistir é fácil! Que desistir não constrói, e que só acrescenta vazio onde poderia nascer obra. Mas, quantas vezes se consulta Desistir no dicionário das fraquezas em busca de sentido para aquilo que nem sequer foi tentativa? Para desistir faz falta um começo, depois, talvez se possa culpar o Fácil... se este for, já e sem esforço.
Fácil não é, certamente, persistir sem nunca desistir. Dar rumo à vontade e crédito ao tempo, manter firme o empenho, pode ser trabalhoso. Mas é, essencialmente, com trabalho que se alcançam as pequenas conquistas, que somadas levam à superação. Em cada obstáculo, descobre-se o sabor do desafio.
Ainda assim, aqui o Nunca faz a diferença, porque pode tornar o desafio numa guerra, onde se esquece causa. Chamam-lhe teimosia, obstinação...
Também se diz que é preciso saber desistir! Que desafio maior será reconhecer o limite sem que se imponha como limitação.
Será fraqueza desistir?
É a vez do Saber... e eu, quantas vezes, não soube!
O rato não desdenha a comida que se oferece ao gato.
Come-a, se puder, mesmo que para isso arrisque a vida.
Não é por falta de amor à vida que o faz.
Ele conhece o trocadilho vulgar:
"Mais vale morrer do que perder a vida"
Quem o condenou a tamanha crueldade?...
Se pudesse ser um pássaro, era um barquinho azul.
E se os barcos não puderem ser pássaros...
Se ser humano não pode, então, não paga a pena ser!
Não me façam perguntas difíceis, que estou na hora do almoço!
E se os barcos não puderem ser pássaros, é melhor ser ou poder?...
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