Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"[...] digo, pois, aonde pode ir uma dona com barbas? [...]"
“Nome?”
“Dorinda”
“É casada?”
“O que é que isso lhe interessa?”, expresso apenas pelo erguer da sobrancelha.
“Só por curiosidade”, e insiste, “É?” ainda seguro da sua posição dominante como entrevistador.
Ela resiste ao uso das palavras. Como resposta, mete a mão ao decote. Vê-o corar, apanhado de surpresa. Talvez espere que dali vá sair um coelho (branco). Eventualmente nunca conheceu outra que guardasse os seus pertences mais valiosos entre as mamas e o soutien. Pode até nunca se ter cruzado com uma dessas, como esta, que desencantam das profundezas do peito um molho de chaves e as fazem balançar no indicador, em frente dos olhos curiosos, para lhes satisfazerem a curiosidade.
Escapa-lhe o sentido daquele gesto, não vai além da hipótese de um convite insinuado a despropósito e, ainda assim, por instantes passa-lhe pela cabeça a ideia de ter visto uma mancha indelével numa das chaves.
Discretamente, para não dar parte de fraco, estuda-lhe o rosto tentando adivinhar. Entrevê uma penugem rala no contorno dos lábios que, até então, lhe tinha passado despercebida. Estranha o facto sem se demorar no curioso sombreado, porque, entretanto, mais insólito lhe parece que o tilintar das chaves tenha crescido até se transformar no tumulto de cavalos avançando na sua direção. Sente-se inquieto e no peito o coração acompanha a cavalgada. O olhar desvia-se no sentido da janela panorâmica. Tudo o que a vista pode alcançar a partir do sétimo andar desta torre, vem, como de costume, ao seu encontro pela avenida. Nada de novo. Do tropel imaginado, não há sinal, nem avista bravos cavaleiros galopando em auxílio dela. Provavelmente, ela nem tem irmãos. Põe mão às rédeas da fantasia, torna a serenar, disposto a deixar claro que por mais despropositadas que sejam as suas questões, terão de ser respondidas. Encara-a, determinado repete “É casada!?”
E é então que ele vê (claramente visto) o reflexo azul da mais negra barba que alguma vez imaginou no rosto de uma mulher.
“Sou viúva!”
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.