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Pede, Alguma coisinha, pra comer. Alguma coisinha, será dinheiro? Pode mesmo ser, alimento, que é pra matar a fome…
Tenho desconfianças de que não me orgulho. Desgosta-me a sobranceria de quem pode, abomino a humilhação de quem pede. Não escondo nem emendo, sou gente banal. Dinheiro, não! Mas o alimento não se nega, nem eu.
Sítios ou horários pouco próprios, em busca de uma refeição, já me levaram a situações caricatas. Desta feita, Um hambúrguer, se puder ser! estava ali a dois passos. Alguma coisinha, pode ser um pão com carne picada, por que não? Nunca comi, não sei a que sabe, também não sei o sabor, que é a fome. Sabe ela, mais que eu.
E nisto, inesperado, Como te chamas? À resposta do meu nome, junta quem é, Eu sou a… e mais me diz, sem que pergunte: da mãe, dos nove irmãos, da rua, do frio e do cartão, da fome… a vida toda a justificar um hambúrguer.
Já se me inverte a corrente do sangue. Posso ser crédula, posso ser fraca.
Eu posso, ela pede…
Pede para comer e aceita o que lhe derem.
Em que cismas?
No bago rubi da romã rachada,
e na gota carmim, que escorre do recente rasgo incadescente…
Que dizes tu, criatura?
…rubro fruto, onde descubro um outro Outono, que fora de mim ocorre!
Estafermo d'um raio, que muito te embeiças por palavras!
Soubesse a semente,
ao que que está destinada…
Temos festa!
Atrás do balcão está um funcionário com maus modos, roído pelo desejo de carimbar a última declaração, fechar o postigo e mudar de vida. É um bom homem, afável e educado, que vê a sua condição alterada diariamente. O ar carrancudo e as palavras ásperas, são ferramentas de trabalho, que sabe usar com mestria. Torna a telefonar, ninguém atende. Se insistir, desligam o telefone.
À beira da estrada outro homem sentado no lancil, alinha milimetricamente as pontas dos sapatos, pelo limite da linha amarela pintada no asfalto. Vai aguardar pacientemente pela certeza de se fazer atropelar por um camião. Sendo uma pessoa indecisa, mas metódica nas pequenas escolhas, demora. Escolheram por ele. Sente que vai adormecer.
No centro da sala ficou a cadeira e senhora de meia idade que está e estará sentada, até que alguém a venha buscar. Minha querida, tem que esperar! Ela geme, a espaços largos. Entretanto, as mãos trémulas levam os dedos à boca para arrancar a língua. Os dentes mastigam os dedos. O camião, seria mais rápido e menos doloroso. Não chora nem esconde, sofre e sangra. Minha querida, isso não! Deixe-me limpar-lhe a boquinha…
Teve tempo para as apreciar, durante a viagem de autocarro. Ficaram perfeitas, ninguém diria que não são trabalho de uma profissional. São um luxo, estas unhas! O funcionário concorda.
Quatro dias e três noites, são demasiado. Estão para além das forças. Um conhecido apresentador e um desconhecido especialista na matéria, são o bastante. A receita é simples, os benefícios garantidos, e um bolinho é o suficiente. Quatro dias e três noites é muito tempo! Esqueceu-se de urinar, antes de dormir.
Assimilação suspensa, aguarda processamento.
Há diálogos impossíveis, em que não me sei orientar...
Falha minha, reconheço, não me entender com argumentos retirados do umbigo. Valores invariavelmente, precedidos do singular possessivo na primeira pessoa, valem o quê? Destaque para a "minha" liberdade. Cáustico exercício da vontade e das vontades, adoçado de seguida pela "minha" magnânima tolerância. E se disser, moral? Nem pensar! Da moral ao moralismo são dois passos, logo adiante a predição. Quanto muito, ética, mas pessoal e caseirinha, de fabrico próprio, para consumo do próprio. Nem imaginava que tal coisa existisse! Consciência, isso sim! Em abundância, muito limpa e asseada, atenta à imundíce que é o mundo, disposta a fazê-lo mudar. Faz falta a consciência, é o que dizem!
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