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Era um bicho com duas cabeças
Na verdade
seriam dois bichos
num só corpo
se o quisessem partilhar
Arranhou
mordeu
feriu
rasgou
Devoraram-se
Mais
não sei
Menos
não posso dizer
Maio, mês de se arrastarem os móveis para encerar o soalho
Maio, mês de se acenderem os lustres para iluminar a festa
Maio sem medo, mas com respeito e Santa Bárbara nos acuda,
que este é o mês dos
Grandes Bailes Celestes!
Pelo tanto que aí já me aconteceu, tenho uma relação difícil com essa cidade. Da mais inocente alegria, à mais amarga das dores, por lá moram muitas das minhas memórias. Não a evito, também não a procuro.
Ontem, o dia foi pior que péssimo e nem me apetece procurar adjetivos mais acertados para o descrever. Não tenho por hábito, deixar transparecer desgraças. Dizem que é feitio e chamam-lhe… também não estou com vontade de arranjar outro nome para o que uns dizem ser reservado, outros… Na verdade, pouco importa porque há sempre quem consiga ver o suficiente através do meu nevoeiro, para me dizer que estou com o aspecto de quem caiu pelas escadas abaixo.
Foi assim que sem contar, me vi de rastos ao fundo das Monumentais.
As cabeças têm destas coisas, ou melhor dizendo e para não ofender ninguém, a minha cabeça tem esta coisa escusada de fazer transviar o pensamento para cenários alegóricos.
Lá estava eu estendida a olhar para os degraus em que nunca tropecei, até porque a minha escadaria foi outra, e a pensar que não podia estar mais colada ao chão.
Nestas coisas de dramatismo, confesso que gosto de cenários em grande, no entanto como o espetáculo é privado e tenho que me desdobrar entre a assistência e a representação, não deixo que a fita se prolongue por muito tempo. É muito cansativo e pouco proveitoso.
Como espectadora de mim mesma, tenho falta de paciência para a auto-comiseração. Como atriz, sou pouco dada aos papéis de vítima. Não me levo muito a sério e se há coisa que não me atrapalha é rir de mim mesma. Assim sendo, e não sei ser de outra forma, quando me dizem que estou com aspecto de quem caiu pelas escadas abaixo, respondo que só estou à espera que se forme uma virgem, para me caírem em cima as bolas de D. Dinis.
Sou esquisita, eu sei…
Ordenar o tempo,
dar nome às coisas, forma aos recortes,
descolar pessoas, alisar as voltas, desembrulhar,
aproveitar retalhos,
adivinhar os laços,
desatar os nós, juntar as pontas,
equilibrar a torre,
equilibrar a torre,
equilibrar a torre...
Deixar cair!
Reerguer, sacudir, remendar…
Sou aprendiz de equilibrista,
a fazer acrobacias no gume da sanidade!
Perguntaram-me se sabia o que eram umas Lois, e eu ia dizer que eram...
...mas depois, memória puxa memória, e esqueci-me de responder...
O tempo em que se forma o entendimento é o princípio da escolha das coisas que se querem entender...
Sem altura para mais, nivelava o olhar pelo mármore branco. Pupilas dilatadas e olhos salientes, cruzam-se no mesmo plano castigado pelo sal e pela lixívia, onde desemboca a madrugada que se despeja dos cabazes e caixas de madeira. Neste mar sem água, boia ainda um suave ondular de vida que se vai apagar no contraste da azáfama.
Do outro lado, mãos a amanhar o vermelho sangue na guelra, que narizes atentos escolhem e desdenham para melhor regatear ou peso ou o preço, escamam e cortam, escalam a carne firme e tornam a apregoar.
Translúcidos reflexos fazem eco, e por todo lado se ouvem vozes no tom metálico que tem o sabor da maresia. É tomar sentido nas coisas e descobrir, e pelos sentidos o que elas são.
Dez réis de gente é o bastante para compreender a fronteira. O sacudir das escamas, o subtil entreabrir das conchas, o deslizar de tentáculos viscosos, ou o estremeço ligeiro de finas patas e fortes pinças, não são mais que despedida, gelo a derreter.
Depois, a contrariar a quietude do fim, as enguias têm que se perceber de outra maneira – ou então nunca.
Mais tarde se poderá revelar o mistério desfeito da geração espontânea, o enigma da metamorfose ou a épica viagem entre águas salobras e salgadas. É para isso que servem manuais e compêndios, mas quando se aprende o escorregadio serpentear um ser estripado, que se contorce para além da vida…
O entendimento é uma escolha?
Se o sabíamos pesadelo,
porque ignorámos que se deitaria na nossa cama?
Fechámos os olhos,
adormecemos nos seus braços,
doce embalo...
Pois se dormimos com ele,
agora é pai dos nossos sonhos!
Mãe,
Nunca foste velha
Tu, que foste Mãe de tantos,
novos e velhos,
nunca o foste
Tu, que não tinhas medo da palavra velhice
por amar a vida completa e inteira,
nunca foste velha…
Podia ter sido ontem
Ontem poderíamos ter celebrado
a maternidade e a velhice
e eu diria que te amo
Mãe,
mais ainda te amaria
velha!
Podias ter-me feito a tua melhor amiga
Podias ter-me contado
que nunca serias velha…
Fizeste de mim o que de todos fizeste:
amados filhos de Vida
Fizeste de mim a tua melhor filha…
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