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Cabeças que rolam, não gritam depois da lâmina se juntar ao cepo. É esta a regra que sabe e conhece desde sempre. Antes, angústia e desespero, esgoelam-se em gritos de horror. Em seguida, silêncio.
Ao nascer do dia, súplicas por misericórdia, bateram delicadamente na vidraça da sua janela, rogando pela execução.
Trocar a cabeça pelos pés, escangalha a ordem das coisas, mas nada retira à força dos seus braços. Também conhece o momento em que a esperança abandona o condenado para o fazer implorar por pena breve. Não se deixa enlear, nada o perturba, não há o que o espante.
Sabe o que tem a fazer.
Decepou-os com um só golpe. Partiram dançando, para se perderem nas profundezas da floresta. Voltarão mais tarde para lembrar, por ora afastam-se para dar tempo e sossego.
Tomou-a nos seus braços. Era leve, muito leve. Só o pouco peso de quem é pouco mais que uma menina.
Levou-a para dentro, para a estender sobre o colchão de palha que lhe serve de cama. Rasgou duas tiras do vestido gasto pela dança interminável de dias e noites, ao sol e à chuva. Com elas enfaixou as pernas que acabara de mutilar, usando toda a brandura possível à brutalidade das suas mãos brutas.
Depois saiu, levando consigo o machado. Esse sim, é inquieto, ávido pelo corte, incapaz de refazer.
Nada disse, saiu.
Deixou-a só, na solidão que governa a casa de um carrasco.
Fez-se noite, ele tornou.
Tinha talhado para ela, pernas de pau e muletas.
Ofereceu, ela aceitou.
No lugar dos pés, as ligaduras tingiam-se de um vermelho tão intenso e brilhante como o dos sapatos.
Antes de partir, ela beijou-lhe as mãos.
À primeira hora, antes de chegar
seria fermento, terra a levedar
Desse chão se vai erguer,
pela vontade de outro dia,
a fome de amanhecer
Que nome lhe posso dar?
Não sei...
Tempo que é agora, antes de partir
acende a fogueira de algum existir
Nessa chama, a arder, a alastrar
como sopro, semente de cinza,
sem ter um nome,
teima em lavrar
Posto está o sol, depois de brilhar
derrete nas águas o sal desse mar
Sopra vento que anoitece,
alisa a onda que embala,
cala a luz e adormece
Se amanhã, à primeira hora,
se pode tornar chamar,
não sei...
Acredito que perguntar é uma das melhores formas para compreender certos assuntos. Nesta matéria, o que me interessava era ouvir a opinião direta de alguém próximo, que não se inibe de declarar que os prefere como alvo dos seus afetos e que não hesitaria se tivesse que escolher.
Previa que ao perguntar, me estaria a colocar numa situação de desvantagem e era precisamente isso que me intrigava. Porque raio, havia ela de me querer substituir por um cão ou um gato?
A pergunta tinha um certo toque de drama, que não escondia o meu ressentimento antecipado.
Talvez fosse melhor reformular a questão. Quais são as características que uma pessoa deve reunir para concorrer, em pé de igualdade, à estimação que tinha pelos animais?
Feita deste modo, soaria demasiado direta e agressiva.
Lá arranjei maneira de questionar sem causar grandes estragos a uma amizade que, sendo já antiga, não estava garantida para assuntos tão sensíveis.
A resposta não me surpreendeu e na verdade pouco acrescentou ao tenho ouvido por aí. Fez-me o rol:
Nada pedem em troca
Incapazes de ressentimento
Não fazem exigências
Não têm maldade
Sempre amigos
Fiéis e dedicados
Sempre presentes
Sempre disponíveis
Capazes de amor ilimitado e incondicional
Ainda pensei em argumentar. Mas para quê?
Bem vistas as coisas, para o comum mortal, reunir tal quantidade de predicados, exigiria percorrer o verdadeiro caminho para a santidade.
Ainda me arriscava a ouvir dizer que os humanos são umas bestas e eu às vezes, tenho mau feitio...
...mas não vou deixar de perguntar.
Atrasada,
corro ao quarto,
que já se está a vestir!
Pronta e vaidosa,
não bato nem peço,
entro para me mostrar
bonita,
ao mais bonito que já vi
Rodo as flores do vestido
e as da jarra também,
da cortina faço véu...
O que me havia de lembrar!
Casamos hoje? Casamos hoje?
Sorriso branco camisa,
elegante fato novo, diz
hoje não,
mais tarde quando crescer
Subo e cresço em cima da cama,
salto e pulo no colchão
Já sou grande, sou crescida,
está tomada a decisão
Casamos hoje, que é domingo!
Pendurada no pescoço,
nó de gravata diz
hoje não,
Faço cara de desgosto
Desculpas de quem não me quer!
Finjo o coração quebrado
pelo noivo que não quer ser
Quero eu!
Quero, e quero, porque quero!
Menina, tenha juízo!
Mas não se chega a zangar
Dança comigo em volteios,
voamos juntos pelo ar
Abraço apertado, beijinhos...
Não quero pousar os pés no chão!
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