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Chegou hoje e por amigo, que o próprio não se pôde fazer presente, uma singela cesta de vime, a transbordar frutos secos guardados em casca rugosa.
Nem tarde nem cedo, chegou como cuidado que me esqueci de esperar, para trazer sabor de lembrança.
Inconfundível cheiro a vime entrelaçado, irresistível sabor de fruto escondido e no fundo, imperdível Viagem a Portugal.
Dentro, entre duas páginas sem número, que logo quis reconhecer, uma folha rasgada de agenda sem uso, desejava:
"Que te saiba às nozes!"
Prenda preciosa, achei-a tão embrulhada em cuidado e carinho, que não sei se mereço nem como agradecer.
É só ficar calada e ouvir:
"Se escapaste ao teu destino, é porque estava escrito!"
"Escrito a onde? Não me queres dizer?
"Escrito nas sortes da gente, ora essa!"
"Tá calado, homem, que não sabes o que dizes! Se escapei não estava escrito, se estava escrito era o destino..."
"Deixa-te bazófias e vai mas é agradecer!"
É só ficar calada e esperar...
Se não puderes vir, manda carta que seja comprida e redonda, como um canudo, para eu te poder espreitar...
Carta por Escrever, não tem boa nova nem notícia de desgraça, nem mimo doce ou recado azedo, pequeno engano ou verdade confessada.
Falta-lhe a letra e a tinta, o caro amigo, excelentíssimo, meu amor. Melhor é que se faça ao mar em barquinho branco de papel dobrado.
Todos sabem que o mar é redondo.
Sim, o mar só pode ser redondo, para trazer e para levar!
Carta por Escrever é branco e só papel, de pouco lhe serve navegar.
Para mais, Carta por Escrever não tem saudade sem fim nem lembrança de coisa grande ou pequena, nem banalidade miúda ou assunto de valor. Tem em falta o selo e o envelope, o beijo e os abraços, cumprimentos cordiais.
Antes se lançe ao céu como avião de papel branco dobrado.
O céu deve ser redondo, e até já ouvi dizer que o fizeram redondo, para ir e para voltar!
Carta por Escrever é muito branco e só papel, pouco lhe aproveita voar.
...sabes que gosto de histórias redondas e mal contadas!
Fim de um dia na bola de lama e já outro começou. Cansada do formigueiro, ainda ouço o gigante discorrer sobre os mortais:
"...a nenhum vi que não tivesse mais desejos que verdadeiras necessidades, e mais necessidades que satisfação."
Água que não se cansa
Maré vaza, meio dia
Arrepio de vento norte,
folgo inteiro de maresia
Enchente rasa de lodo,
negro, morno, macio
Marola doce salgado,
tanto mar que foge ao rio!
Tenho pinheiro enfeitado
e fitas e luzes e brilho
Tenho menino de barro
estendido nas palhinhas
Falta mãe
mas tenho o dia
Chove uma chuva de já não ser, a molhar sem piedade
Chove um frio de já não estar, a gelar o caminho alagado
Chove um vento de já não poder, a soprar o que restou
Chove, mas não sou eu
Enquanto for piedade
Enquanto houver caminho
Enquanto restar poder
Chove, mas não sou eu
Porque eu não sei chover
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