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Fez questão de me mostrar o seu quarto. No outro, os meninos ainda estão a dormir.
Não foi por não falarmos a mesma língua que não nos conseguimos entender, mas é difícil dar sentido à frase:
"Aqui, muito melhor!"
Levantei-me, deixando a mala pousada no banco. Pouco depois alguém se sentava atrás de mim. Tinha-o visto, na entrada, com a mão estendida e o olhar baixo. Provavelmente era ele que se acomodava, no banco traseiro, evitando fazer barulho.
"E se ele não fosse tão humilde e inofensivo como parece?" O rótulo pode ser erro e a desconfiança injusta. É sempre mais fácil deixar que a dúvida empurre para a deriva das suposições.
"E se me levar a mala?" Na origem estava o preconceito mas era o caminho sem rumo que me atraía, e avancei.
"Não olhes para trás, não olhes para trás!" Comecei por calcular o transtorno que me causaria ficar sem a mala e o valor que dava ao que estava dentro dela. Não podia negar que a possibilidade me aborrecia, mas na verdade, com maior ou menor dificuldade, seria possível repor ou readquirir aquilo que me levasse. Seria um contratempo, sem dúvida, mas que podia ser ultrapassado.
"Talvez o faça por necessidade..." A hipótese dava-me o conforto da justificação. É sempre mais fácil perder, conhecendo o motivo, valorizando a causa na medida inversa em que se desvaloriza o efeito.
"Pois que a leve, melhor se lhe fizer proveito!" E na satisfação de me julgar capaz de tal desprendimento, resolvi ir mais longe.
Seria possível prescindir daquilo que era meu sem sentir raiva e revolta?"
"Não olhes para trás, não olhes para trás!" Agora a questão era mais complicada, porque sabia que da emoção dificilmente conseguiria escapar, no entanto os sentimentos também se podem construir na razão e na vontade.
"Talvez seja possível alcançar esse equilíbrio" A hipótese trazia-me a segurança do controlo. É sempre mais fácil perder mantendo algum domínio, pelo menos a ilusão.
"Então, que a leve, melhor que seja eu a determinar o estrago!" Queria muito acreditar que era capaz de atingir esse equilíbrio, mas também queria uma resposta honesta e…
"Basta!" A situação é solene, requer modos corretos, pensamentos elevados e sentimentos puros. Tentando acertar a rota, apercebi-me do paralelo improvável.
"Não te atrevas a comparar!" Mas já não podia recuar, o paralelo estava estabelecido.
Por meio nenhum é possível desvalorizar. Nem a vontade, nem o esforço nem mesmo o sacrifício podem recuperar ou substituir.
Estava a aprender a perder, num percurso bem mais duro, onde o atalho fácil não existe.
Voltei a sentar-me, a mala continuava pousada no banco. "É só uma mala!"
Eu a descer a ponte e eles ao fundo da rua,
eu a vê-los na conversa e eles sem saber de mim
Eu para lá e, no mesmo caminho, eles para cá
Acabámos por nos cruzar na surpresa
Eles no novo impulso de se arredar. e eu, no velho recreio da escola
eles em conformidade com os tempos e eu, criança, com vontade de gritar:
"NÃO TENHO A PESTE!"
Ainda bem que não abri a boca
Eles não iriam perceber Eu, não saberia explicar,
mas tomei como ofensa
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