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por esquisita, em 05.02.25

 

Para trás ficaram os 9

Agora que tenho quinze anos de idade, vim trabalhar para a cidade, servir em casa do irmão da senhora. Ela não era má pessoa. Não sei se por gostar de mim ou por ter pena de nós, mas não ralhava muito e dava-me sempre alguma coisa para levar aos meus irmãos, quando ia a casa, ao domingo à tarde, depois de arrumar a cozinha. Eu estava acostumada àquele serviço, não pensava em sair dali e ir para longe, onde as tardes de domingo não chegam para ir ver os meus pais. Mas o irmão dela precisava de uma rapariga séria e trabalhadora, acertaram as coisas e a senhora disse-lhe que podia ficar comigo. 

Ele é doutor de leis, muito conhecido. Aqui, faço os trabalhos de dentro mais leves e sou eu que limpo o escritório. Despacho tudo de carreira e torno a pôr as coisas ao sítio, sem tirar os papeis da ordem nem desmarcar os livros. Não me enleio a ler o que está escrito, porque é melhor que pensem que desaprendi o pouco que sei ler. Também sou eu que vou atender as visitas à porta. Recebem gente importante, por isso deram-me uma farda para estar bem apresentada, e fiquei com um casaco de fazenda que a senhora já não usa, para quando a acompanho até à igreja. O senhor doutor diz que eu devo ir e voltar com ela, mas não preciso de entrar, posso esperar no adro, porque ninguém deve ser obrigado a assistir à missa. Ele diz isto e outras coisas que não percebo. São outros costumes, outras ideias. Como é um homem muito estudado, deve saber o que diz, mas a minha mãe, quando soube desses ditos, logo me avisou que se eu não entrar para receber a sagrada eucaristia, tenho a minha alma perdida.

 

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8 comentários

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João-Afonso Machado a 05.02.2025

Muito bem contado!
Resta acrescentar que aos sábados também se trabalha. E aos domingos, até à hora do almoço: depois a tarde é para namorar com o magala.
Para estes lados, por acaso era aos padres que as senhoras se dirigiam à procura de uma rapariga para servir.
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esquisita a 06.02.2025

Por toda a parte sempre houve, e ainda há, pessoas dispostas a encaminhar raparigas para servir a quem necessita de ser servido.
Agradeço e desejo uma boa noite.
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Isabel Paulos a 05.02.2025

Vidas de outros tempos. Ali ao lado, no século passado.
Bom resto de dia soalheiro.
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esquisita a 06.02.2025

Vidas que a memória trouxe para este século.
Agradeço e desejo uma noite boa!
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esquisita a 05.02.2025

Agradeço e desejo uma boa noite!
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cheia a 05.02.2025

Vidas que bem conheci, como marçano, falámos das nossas triste vidas. Trabalho de escravo, sem horário de trabalho, noite e dia, sempre às ordens de pessoas muito boazinhas, que não faltavam à missa.
Noite tranquila!
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esquisita a 05.02.2025

Vidas de tempos que não conheci, mas que também fazem parte da minha história.
Agradeço e desejo uma boa noite!

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